21.9.10

CRACK- O RELATO DE UMA MORTE PROGRAMADA

Por José Ricardo Chagas.

Ilhéus, Delegacia de Polícia, sexta-feira, 23h. Lá estava, ao chão, A.S.M., 35 anos de idade, algemado. Fora conduzido à DP por portar 03 pedras de crack e 01 cachimbo improvisado de pvc para o consumo da droga.

Seu estado físico era característico dos usuários de crack. Rosto com ossos salientes, magreza doentia, pontas dos dedos queimados. Apresentava odor em demasia. Suas vestes estavam imundas, típicas de moradores de rua. Chamava atenção, apesar de muito sujas, as roupas que o vestiam. Camisa da Rip Curl, bermudão quadriculado, tênis reebok e um relógio de pulso da Mormaii.

“O crack, droga sete vezes mais potente do que a cocaína, tanto no aspecto narcótico como no aspecto necrosal, atua no organismo elevando a temperatura corporal, podendo a qualquer momento causar um AVC. Os neurônios são lesados e o coração atua entre 180 a 240 batimentos por minuto”.

Em poucos minutos, A.S.M. relatou sua vida. Na verdade, relatou a sua morte.

Entre a adolescência e a juventude fora usuário de cocaína. Aos 25 anos conheceu sua esposa. Deixou o vício, casou-se. Passou a residir num dos endereços mais requisitados da nossa cidade, zona sul, condomínio Mar de Ilhéus. Com a ajuda familiar, abastada, tornou-se empresário no ramo de compra e venda de veículos. Ainda, como hobbie, havia montado uma Lan House para sua esposa.

“O drogadicto está propenso à hemorragia cerebral, fissura, alucinações, delírios, convulsão e infarto agudo. Provoca ainda a degeneração dos músculos do corpo, chamado rabdomiólise, característica esquelética”.

Há cinco meses atrás seu casamento naufragou. Aquele homem dera um passo para trás, fumou pela primeira vez o famigerado crack. Sua esposa o abandonou, levando consigo os dois filhos do casal.

“O pulmão se fragmenta. São constantes as dores de cabeça, tonturas e desmaios. O crack inibe a fome, inibe o sono e deixa o usuário propenso as mais variadas doenças”.

Há cinco meses que A.S.M. não trabalha. Como numa relação mútua, passou a consumir diariamente o crack, sendo também, em progressão geométrica, consumido. O crack já havia lhe destruído 23 kg de sua massa corpórea, o que lhe despendia o aspecto facial esquelético. Sua bermuda estava amarrada na altura da cintura, isto para não cair.

“Quando consumido por mulheres grávidas, o crack induz o aborto e o nascimento prematuro dos bebês. Os que conseguem nascer e permanecer vivos apresentam cérebro menor e são sensíveis ao toque e à exposição da luz. Têm o aprendizado retardado e o controle motor comprometido”.

Numa escalada de morte, A.S.M. não se alimentava fazia 03 dias. Também, há 03 dias não dormia. Fazia 03 dias que aquele homem estava, full time, entorpecido pelo uso reiterado do crack.

“Ao fumar o crack, o usuário aguarda variavelmente 10 segundos para alcançar as sensações de euforia, excitação, brilho latente e bem estar demasiado. Esse estado de torpor dura entre 3 a 10 minutos, dependendo de cada organismo, seguido de depressão, delírio, necessidade de nova dose de consumo e iminente óbito”.

O vício o reduziu a nada. Depois de perder a casa e os bens, por último perdeu seu carro, um Vectra GT, perdeu todos os amigos. Reside hoje, quando nos poucos momentos de lucidez, em um quarto locado no bairro do Nelson Costa, a R$120,00 por mês.

O crack o domina. Passa dias na rua, fumando. Perdeu sua identidade. Enoja e desgraça o crack, diz ser a droga do demônio. Mas não há como vencê-la. Sequer faz idéia da sensação causada pelo torpor. A única coisa que lembra é que tem necessidade de usá-la. Às vezes sente uma dor no coração. Triste, desanimado, vencido, diz ser o diabo segurando seu coração.

Leva consigo, na carteira, uma foto de sua esposa com seus dois lindos filhos. A foto o transporta ao sentimento de saudade, a um tempo feliz, sóbrio. Derrama algumas lágrimas.

O choro daquele infeliz é por arrependimento. Chora por saber que seu fim está traçado, é só uma questão de tempo, de curto tempo. Chora por ter aberto mão do direito à vida.

Chora por ter se entregue a este monstro chamado crack – a droga da morte.

José Ricardo Chagas

Fonte: Blog do Gusmão

Nenhum comentário: